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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Mundo Overtech
Ainda criança lembro de ouvir a seguinte teoria sobre a miopia e seus efeitos. Ao identificar a deficiência visual, o organismo humano resolve compensá-la aumentando a capacidade intelectual do indivíduo. No meu caso, que não vejo senão sombras fantasmagóricas, com o passar dos anos passaria a "enxergar" mais que todo mundo. Uma mulher à frente de meu tempo. Sério? Confesso que cheguei a me iludir com esta possibilidade. Mas, como tudo o que é bom na vida, a ilusão durou pouco. Ganhei o apelido de “quatrolha” na adolescência e, já na fase adulta, percebi que não era nenhuma celebridade. Virei outra coisa. Virei amiga. Amiga de muita gente. Acho que amizade é um dom. A gente não aprende. Nasce com. Cresce com. E quando menos se espera aquilo que estava incubado irrompe-nos de vez. Tenho vivido assim. Cercada de amizade por todos os lados. Duas conheci recentemente em um vernissage. Mulheres incríveis que logo se transformaram em amigas inseparáveis. Até o dia em que percebi o mundo diferente. Elas se encaixavam. Alias, todos se encaixavam. Menos eu. Era o mundo “overtech”, onde minhas amigas ocupavam lugar de destaque. Uma é adepta da tecnofobia. Desde a estréia de “2001 - Uma Odisséia no Espaço”, tem horror aos avanços tecnológicos. Sofre de pânico só de pensar na possibilidade de a humanidade ser dominada por máquinas ultrainteligentes. Depois de “Matrix” e “Avatar”, resolveu radicalizar. Dispensou o celular, a internet e similares. Até o relógio dançou. Por incrível que pareça é comerciante, dona de floricultura. E das boas; tem tino. Comprou uma bicicleta, plantou uma árvore e não se casou, o que não a impediu de ter um filho à la produção independente. Para seu desespero, o menino é hoje exímio guitarrista da banda mais famosa do planeta: Guitar Hero, do PlayStation 3. A outra, tecnófila, viajou para os EUA para prestigiar um dos eventos de lançamento do Ipad realizados pela Apple. Levou um cesto de maçãs para distribuir gratuitamente na festa que, obviamente, foi retido pelos seguranças da loja. Vexames à parte, saiu de lá carregada de tablet e acessórios. Baixou os aplicativos no limite da irresponsabilidade financeira, conectando-os ao Iphone. Cadastrou todos os emails e redes sociais que acessa diariamente: gmail, hotmail, terra, mobileme, yahoo, orkut, sonico, facebook, jumo, flickr, my space, linkedin, twitter, formspring, youtube, tumblr, foursquare, getglue e outros que não me recordo agora. Fora endereços de blogs e twitteiros. Mestre em saúde pública, ela é diretora de um grande laboratório multinacional. Respira pesquisa, ciência e tecnologia o dia inteiro. Nem os mais hiperativos conseguem acompanhar seu ritmo. Anda com dois celulares de dois chips cada. Bluetooth no carro para atender as chamadas telefônicas. Domingo passado resolvemos nos reencontrar. A ultrapassada falava o tempo todo. Negócios. Flores. Vendas. Entregas. Clientes. Olhares. Saídas. Amores. Dores. Mais flores. Mais negócios. Mais Vendas. Tudo de novo. A moderna não conseguia terminar frase. Era a própria garota interrompida. Celular. Vibracall. Torpedo. Email. Download. Rede. Wi-fi. 3G. Twitter. E voltava a conversa ao ponto inicial. Saco! Dois minutos depois trocava-nos por seus "seguidores" sem se desculpar. Eu participava daquela cena surreal preocupada com o fato de que a miopia tivesse me transformado em uma pessoa realmente diferente das outras, com distúrbios psicológicos que me impediam “optar”. Direita ou esquerda. Em cima ou embaixo. Horizontal ou vertical. Minha natureza vedava qualquer escolha. “Depende do referencial”, apelava para Einstein, assombrada pela descoberta de minhas limitações. Nossa amizade não tinha futuro. Era difícil para elas entenderem "por que eu era uma pessoa tão legal e ao mesmo tempo tão estranha". “Como alguém que cresceu sem internet, sem celular e sem videogame pode achar que essas invenções substituem o contato humano?”, questionava a radical. “Como você não sabe que Rupert Murdoch lançou o primeiro jornal exclusivo para Ipad?", esbravejava a outra. Fácil. Sempre imaginei a tecnologia como um bando de soluções inteligentes que ajudam a resolver problemas do dia a dia. Hoje eu sei que, no meu caso, a tecnologia só os fez aumentar. Minha duvida é se junto com os problemas cresceu também a miopia. Ainda bem que tenho encontro marcado na próxima semana com um dos meus melhores amigos que, por acaso, é também meu oftalmologista...
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Melhor fazer cirurgia...!!! hahaha
ResponderExcluirjá eu sou tecnulo (adepto da tecnulogia, área daqueles q. são nulidades em new techs) ou tecmulo (área daqueles que empacam nas new techs).
ResponderExcluirbela crônica, Cris.