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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Não existe crise da meia idade

Descobri uma coisa hoje.
Não existe crise da meia idade. Crise tem início e fim.
Mas a tal crise que se convencionou chamar de meia idade é outra coisa. Tem a ver com o momento em que a vida se despe para você. Sem pudor, constrangimento ou vergonha. Você simplesmente a vê. Tal qual ela é. E não ruboriza. Daí, para amenizar a dor da descoberta, você pensa: "Ah! É a crise da meia idade!" A explicação é seu porto seguro. Como se sabe, toda crise passa. O problema é que "essa" não passa. Essa fica impregnada no corpo, igual perfume novo. Essa coisa, que é tudo menos crise, tem o poder de transformar certezas em dúvidas, conhecimento em ignorância, construções em fantasias. Todo o ser passa a não ser mais. Porque você não o reconhece mais. A sensação é perigosa. Você sente medo. Prefere apagar a luz e voltar a ser feliz. Como antes. Quando isso acontece, lá no escuro, você sabe que está apenas brincando de esconde-esconde. Um dia a brincadeira acaba e você finalmente descobre.
Ou é descoberto...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Educação Nota 10


- Pai, não joga cigarro na rua!
- Não amola, filha! Tô sem paciência hoje. Senta aqui um pouquinho com o pai prá descansar.
- Esse banco é nosso, pai?
- Não. Já te expliquei que tudo que tá na rua não é nosso.
- Por que não, pai?
- Porque a gente não comprou com nosso dinheiro. Não podemos levar o banco para casa.
- Mas não existem coisas que são de todo mundo?
- Não sei. Nunca pensei nisso antes.
- A professora disse que a gente não pode riscar o banco porque ele é nosso. E que a gente tem que cuidar de tudo o que é nosso.
- Ela disse, é?
- Disse. E disse também que é errado jogar lixo na rua.
- Sei... A gente não deve sujar a rua.
- Porque a rua também é nossa.
- Que mais ela disse?
- Dizer...dizer... mais nada. Mas ela fez.
- Fez o quê?
- Não deixou eu levar papel higiênico da escola para brincar no recreio.
- Por que não?
- Porque ela disse que o papel era prá ser usado por todo mundo. E se eu desperdiçar meus pais vão pagar mais imposto e vai sobrar menos dinheiro prá ir ao cinema.
- Uééé? Mas então o papel higiênico não é nosso! É de todo mundo!
- Não, pai. Você não entendeu. A gente tem que deixar lá porque tudo que é nosso é também de todo mundo. Ela disse que o papel é "público".
- Sei...
- O que é público, pai?
- Sei lá! Público significa do povo... eu acho.
- Então sé é do povo é nosso e a gente tem que cuidar.
- Até parece! Teu pai já trabalha feito um escravo e agora também é obrigado a cuidar de tudo que tá na rua. Isso é papel do Governo!!!
- Não, pai. O papel não é do Governo. É nosso! Eu peguei no banheiro da escola.
- Ai, filha. Não complica. Vamos mudar de assunto?
- Pai, não fica brabo! A professora disse que é fácil cuidar do que é público. É só não estragar as coisas e limpar o que a gente sujar por aí para que os outros possam usar depois.
- Tá...tá...tá bom..! É só isso?
- E não esquecer de cuidar das árvores.
- Só?
- Só.
- Então pede prá tua professora, que entende tudo, fazer a relação do que é público no Brasil e que todos devem cuidar. Mas pede prá ela escrever no papel, tá? he he he!
- Não é que você adivinhou, pai? Foi esse o dever de casa que ela passou ontem prá gente. E eu tirei nota 10!
- Ah filha... que bom! E o que você fez para tirar 10?
- Eu desenhei o mapa do Brasil bem grandão e coloquei dentro a nossa cidade, a rua que a gente mora, o sinal de trânsito, a calçada, o poste de luz, a quadra de esporte, o lugar onde o prefeito e a polícia trabalham, o hospital e outras coisas que tô esquecendo agora...
- E coube tudo?
- Claro que não. Mas ela me deu 10 assim mesmo porque eu expliquei prá ela que o Brasil de verdade era muito maior do que o Brasil do meu desenho.
- Hum hum...
- Pai?
- O que é filha?
- O Brasil é nosso?

(Ilustração: Carlos Eduardo Cunha - www.ceduardocunha.blogspot.com/ )

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Multiplicação dos Chatos

Antes de se aposentar da vida, sempre que eu e meus irmãos ficávamos enfezados com alguma coisa, meu pai logo acabava com nosso mau humor dizendo: "Puxa! Quando eu chegar na idade de vocês espero não ficar tão chato!!!"
O velho sabia das coisas. Estamos mesmo ficando chatos. Crianças, jovens e idosos... Os chatos estão se multiplicando em escala geométrica. E eu posso provar. Farejo longe o cheiro da chatice humana.
Certa vez, no supermercado, fazia as compras do mês, quando vi dois carrinhos que seguiam à direita da gôndola cruzarem-se com um terceiro, que se aproximava do lado oposto no mesmo corredor. O condutor do carrinho da frente, um senhor que aparentava pouco mais de 70 anos, logo esbravejou: "Minha senhora, carrinhos tem que ficar do lado direito e não do esquerdo!!! Pessoas à esquerda e carrinhos à direita!" Assustada, a senhora que havia infringido o "Código Nacional de Trânsito de Carrinhos de Compra em Supermercados Lotados" respondeu: "E onde pago a multa? No DETRAN?" Poucos minutos depois, senti de novo o mesmo cheiro. Mais chatice no ar... A troco de nada, um jovem rapaz gritou com um casal que estava à procura de um carrinho para entrar no mercado. "Vão fazer o que aqui dentro? Vocês não estão vendo que o lugar está lotado?" Antes de ouvir a resposta chata, deixei depressa o local e farejei mais uma cena. O sinal havia fechado. Dezenas de pessoas atravessavam a rua simultaneamente. Na primeira fila de carros havia um reboque levando três veículos para a oficina. Em seu interior, o motorista atento intercalava o olhar: ora sinal, ora pedestres. Um senhor de meia idade, que caminhava na faixa, parou, encarou o guincho e, no meio da multidão, gritou: "Tá faturando hein???" A reação do condutor foi engraçada. Levantou as mãos e soltou um divertido: "Eu hein!!!" Apressei o passo para chegar logo em casa. Passei em frente à lotérica e resolvi fazer a fezinha da semana. Dessa vez, uma mocinha, pouco mais de vinte anos, havia terminado de preencher sua cartela, entregando-a para o caixa junto com uma nota de R$ 50,00. Bem treinado, o rapaz conferiu o dinheiro e, rapidamente, entregou o troco para a cliente que reclamou bem alto: "Moço! Eu lhe dei uma nota novinha e você me volta essas notas velhas e sujas? Quero tudo novo em folha ou não sairei daqui hoje!" Confusão instalada. O gerente logo apareceu. Explicou que não possuía na loja notas novas, e que era um simples comerciante. "Apenas nos bancos a senhorita encontrará cédulas em melhores condições", argumentou. A moça bateu o pé. "Não saio. Não saio. Não saio."" O pessoal da fila começou a chiar. "Sai daí ôôô! Para de atrapalhar!" Depois de muito tumulto, ela finalmente se conformou e aceitou receber sua nota de volta, desistindo do jogo já feito. Não titubiei. Ao chegar minha vez, disse para o caixa que queria fazer o jogo da chata. Adivinhe? Ganhei. Não foi nenhuma megasena acumulada, mas deu prá passear no Rio e ainda bancar o churrasco da galera. Que chato, não?
(Nando Faro, correspondente especial do facebook)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Quem mexeu na trave ???

"A trave salvou o time do rebaixamento." Mas quem mexeu na trave? Quando ela se moveu? Eu não vi isso acontecer! Esses eram meus pensamentos quando criança, atribuindo o fato de não enxergar o movimento do objeto inanimado à minha miopia crônica. Com o passar dos anos percebi nessa e em outras metáforas um veio autoritário de nossa cultura. Será que estou vendo demais? Vejamos. Ainda dentro do universo futebolístico, quantas vezes você já ouviu que "a estrela do técnico brilhou" ao substituir um jogador que entra em campo e faz o gol da vitória? No campo da política não é diferente. Quantas vezes você já leu nos jornais que o "Palácio do Planalto quer" que a lei tal seja aprovada? Niemeyer deve orgulhar-se de ter projetado uma edificação dotada de desejos e personalidade. Também é comum ouvir na tv que "Brasília votou ontem" o novo valor do salário-mínimo. Que cidade inteligente, não? Daí para a editoria econômica é um pulo. E lá está a reportagem falando sobre o atual "vilão da inflação". Vez ou outra surge um novo criminoso que, ao ser apresentado à Nação, surpreendentemente não nos surpreende mais. Exemplo? Chuchu! Sim, o chuchu já foi um dia o inimigo público número um. Mas o pior de nossos pesadelos, que nos acompanha por toda a vida, é o famoso "Leão do Imposto de Renda". Fique esperto. Esse bicho ainda vai te pegar. Quando soube que o rei dos animais não andava solto por aí como pensava, amedrontando as pessoas sob o comando da Receita Federal, achei que estavam me enganando. Preferi esquecer apenas de Noel e manter a vigilância alerta. Sabe-se lá..! Poderia passar o dia lembrando de outras metáforas e associações que nos fazem "temer" em vez de "entender". Até em casa, em plena era da nanotecnologia, ainda ouvimos ameaças do tipo: "se você não comer a salada vai tomar injeção". Dois erros. Não se explica porque comer bem é importante e transforma-se algo que pode salvar vidas em um monstro terrível. Falo por experiência própria. Dia desses precisei coletar sangue para exame de rotina. Como a maioria das pessoas, virei o rosto para a parede e fixei o olhar no único quadro pendurado na pequena sala do laboratório. Era um desenho da bandeira nacional. ORDEM E PROGRESSO. Há quem diga que nosso lema oficial tem origem em outro lema considerado autoritário, de autoria do positivista francês Augusto Comte: "L'amour pour principe et l'ordre pour base; le progrès pour but."
Difícil acreditar...

O Aroma da Economia

2 + 2 = 4.
Certo? Só na Matemática...
Tenho sido bombardeado pela mídia e seus especialistas com análises econômicas que afirmam que cada real de aumento no salário mínimo significa acréscimo de 280 milhões de reais nas despesas do governo. 
Ponto.
O cidadão que não é formado em economia absorve a informação como verdade absoluta. Mas se existe mesmo alguma verdade absoluta no mundo é que em economia nada é absoluto!
Um real a mais no bolso do cidadão significa um real a mais em consumo. Um real a mais para comprar um produto ou serviço, onde parte desse real, recebido pela empresa que forneceu o produto ou serviço, é usada para pagar funcionários, custos administrativos e impostos... OPA! Espera aí...
- o que você disse, Faro? impostos?
- é isso mesmo...
- e para quem vai o dinheiro dos impostos?
- vai para os cofres públicos...
- o que vc está dizendo é que aquele real a mais dado ao salário mínimo e que poderia gerar 280 milhões de reais em despesas para os cofres públicos, uma hora retorna para os mesmos???
- sim...
- então a conta não é tão simples assim...
- não, não é...
- mas Faro, e se em vez de o cidadão consumir esse real a mais, ele decidir poupar para investir no futuro?
- veja, se ele resolver poupar, onde você acha que fará isso? debaixo do colchão? no cofre? no bolso do casaco? é óbvio que irá guardar em um banco...
- e o banco vai guardar o dinheiro dele?
- vai, mas não o deixará parado. o dinheiro captado (depositado) dos clientes (pessoas físicas e jurídicas, tais como empresas, indústrias e/ou governo) é utilizado pelos bancos para conceder empréstimos a outros clientes mediante cobrança de juros. é assim que os bancos ajudam o dinheiro a circular na economia.
- então os bancos ficam se aproveitando do dinheiro dos outros...
- em parte você está certo. porém os bancos são instituições essenciais à manutenção de atividades comerciais porque, além de oferecer serviços financeiros, facilitam transações de pagamento e oferecem crédito, ajudando no desenvolvimento do comércio nacional e internacional.
- ahhh! é assim que eles sobrevivem?
- sim, os bancos conseguem obter lucros por meio dos juros e das taxas cobradas pelas transações efetuadas. 
- então, caro Faro, com o empréstimo desse real pelo banco, alguém irá pegá-lo para consumir ou investir, certo? agora estou começando a entender e sentir um cheiro bom...
- é o aroma da economia, da circulação da riqueza. dois mais dois só resulta em quatro para inglês (e o resto do mundo) ver. e assim se forma a opinião pública equivocada... 
- entendi! mas e a inflação? aquele câncer que corrói o dinheiro do povo? você não está esquecendo o mais importante?
- talvez. com a história da inflação, voltamos ao inicio do texto, quando eu disse que na economia NADA é absoluto. a inflação deixa um cheiro horrível por onde passa. mas isso, meu amigo, será assunto para outro dia...
(Nando Faro, correspondente especial do facebook)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O Alimento do Preconceito

Ao final do texto anterior, alertei para o "incômodo" da narrativa na primeira pessoa do plural. O propósito foi levantar a bola sobre a generalização e seus efeitos, revelando como, com a ajuda do tempo, ela pode fomentar novos preconceitos, tornando-os "socialmente aceitos". Exemplos? Brasília como sinônimo de corrupção. Nordeste como exemplo de atraso. Conduta correta como atestado de burrice. Política como contravenção. Ateísmo como pacto com o diabo. Empresa honesta como negócio falimentar. Mulher como sendo "mais isso". Homem como sendo "mais aquilo"... O que cheira mal nessa história toda é que a origem desses preconceitos são manifestações que surgem tanto de pessoas sem acesso à educação quanto de cidadãos com elevado nível de escolaridade. Estamos o tempo todo cercados por declarações que ratificam esse tipo de postura. Ou seja, todo mundo, a seu modo, adora dar uma generalizadinha. Opa! Até eu?!... Perceberam a armadilha? Se a generalização é o alimento do preconceito, é preciso evitá-la.  Orientar crianças e jovens desde cedo. Estimular o ato de pensar, refletir, questionar, interagir e mobilizar. Minimizar os efeitos desse nosso traço cultural. E, antes que a gente terceirize mais essa responsabilidade para a escola, façamos a nossa parte. Em casa, no trabalho, na rua. Com filhos, sobrinhos, primos ou netos. Sejamos mais atentos para banir de nossos discursos as generalizações desnecessárias. Lembro que a mídia pode ser uma grande aliada, apesar de saber de casos em que contribuiu ativamente para o fortalecimento de preconceitos. É papel da mídia ajudar a sociedade, como termômetro importante que é. Mas isso é papo para o próximo post...
(enviado nesta data por Nando Faro, correspondente especial do blogue)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Cara de bambu mossô...

Semana passada uma grande amiga explicou que precisamos atualizar nossas expressões coloquiais, sob pena de repetir coisas do tipo "caiu a ficha". Verdade seja escrita: para as gerações "X" e "Y", isso não faz nenhum sentido. "Como assim tia? Não entendi. Que ficha?" Não foi à toa que ela me alertou. Minha amiga estava de saco cheio de ouvir sempre a mesma coisa. Ops! "Saco cheio" também é algo que devo evitar quando me referir ao gênero feminino, concorda? Como ia dizendo, ela sugeriu que eu passasse a utilizar "cara de bambu mossô" em vez de "cara de paisagem". Fiquei tão intrigada na hora que aceitei conformada o conselho. Mas ao chegar em casa, recorri ao anjo Google para rastrear os diversos significados que os três vocábulos possuem. Busquei conceitos, imagens, vídeos, enfim, tudo que me desse alguma pista do que estaria por trás daquelas sábias palavras. Infelizmente não tive sucesso. Cheguei à conclusão de que meu atual estágio evolutivo não permite alcançar o raciocínio dela. Mas também não impede de adotar a expressão inusitada. Fiz isso no passado, quando precisei substituir o termo "anta", sinônimo de pessoa (levemente) obtusa. Por falta de algo melhor, copiei a fórmula de outra grande amiga que havia inventado níveis diferentes para as diversas antas que encontrava em seu caminho. Somente "anta", "anta de tênis" ou, a melhor delas, "anta de patins". Foi divertido no início, mas hoje considero tais denominações insuficientes. Preciso de algo mais assertivo. As antas que conheci ultimamente são insuperáveis. Tão insuperáveis que resolvi usar a expressão "anta míope de tênis e patins com cara de bambu mossô". Que tal? O risco que corro é a criação voltar-se contra a criadora. Mas, como diria minha mãe: "quem nunca foi anta na vida que atire a primeira pedra" ...

Hora de parar!

Saber a hora de parar é, sem dúvida, uma grande virtude. Se eu fosse uma dessas cientistas malucas, do tipo que viaja no tempo da maionese, imaginando sapatos com salto alto na frente para descer ladeira, criaria um relógio que pudesse marcar a hora de parar. Funcionaria mais ou menos assim. Almoço tranquilamente até que ouço um som de alarme e vejo meu relógio apontar 1200 calorias. Hora de parar! Sou chamada para participar de importante reunião de trabalho e, no momento de minha explanação, lá estaria ele, meu amigo, avisando que o relevante fora dito e agora era "chover no molhado", desperdiçando o tempo dos colegas. Hora de parar! Brigo com alguém por bobagem, até que minha invenção toca de novo e evita que a contenda vire mágoa, dessas que a gente carrega por toda a vida. Hora de parar! De manhã cedo tomo banho e, então, o relógio me alerta quando a higiene se transforma em desperdício. Hora de parar! Levo trabalho para casa e, com seu toque suave, minha invenção lembra que alguém que amo muito precisa de mim. Hora de parar! As vantagens contadas na mesa do bar, com ajuda da engenhoca, servem para divertir meus amigos em vez de me expor ao ridículo. Hora de parar! Chego ao fim de uma carreira brilhante, coroada de êxito, e lá encontro meu velho conhecido, pronto para mostrar que meu momento já passou. Hora de parar! E de ME reinventar! Cá entre nós, você não acha que esse relógio seria um verdadeiro FENÔMENO???

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Saudade do poeta que não conheci... (cont.)

Hoje bateu uma saudade boa. Do poeta que não conheci. Do Quintino com quem não convivi. Do bom humor que nos legou. Sobre isso, das poucas vezes em que exerceu o ofício da magistratura, fez história ao abrir os trabalhos da comarca e apartar grave discussão travada entre advogado e promotor:
- O senhor é um mentiroso! - grita o advogado
- E o senhor é um caluniador! - rebate o promotor
Quintino fez soar três marteladas na mesa e interveio solenemente:
- Agora, que os senhores já se apresentaram, podemos continuar os debates...

Saudade do poeta que não conheci...

Para o velho Amazonas, soberano
Que, no solo brasíleo tem Paço;
Para o Amazonas que nasceu humano
Porque afinal é filho de um abraço (...)

Se estes dois rios fôssemos, Maria,
Todas as vezes que nos encontramos,
Que Amazonas de amor não sairia
De mim, de ti, de nós que nos amamos?!...

(do livro "Pelo Solimões", de Quintino Cunha)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Tem cheiro de coisa ruim no ar... (parte 2)

O povo não sabe votar. Será?
Para responder esta pergunta, primeiro temos que entender o que é “saber votar”. Geralmente quando criticamos o político que foi eleito não estamos pensando no nosso voto. Estamos criticando o voto do outro. Porque o problema é sempre do outro, certo?
Virou senso comum afirmar que o Congresso precisa de renovação. São 513 Deputados Federais e 81 Senadores da República. Proponho, então, um breve exercício analítico. Supondo que haja novas eleições com a seguinte regra: quem já detém o poder não poderá se candidatar. Qual será a “cara” do novo Congresso? Pessoas mais probas do que as que lá estão hoje? Mais capacitadas? Mais engajadas? Ouso dizer que serão eleitos políticos com perfis muito similares aos atuais. E a razão para isso é muito simples. Os representantes do povo são exatamente REPRESENTANTES do povo. Espelho do povo. Retrato do povo. Tradução do povo. Se cada povo tem o político que merece, cada político tem o povo que merece, que o elege e que o reelege. E aí? O povo sabe ou não sabe votar?
Pergunta difícil. Por um lado, pode-se dizer que o povo não sabe votar porque falta um documento básico. E antes que você diga o óbvio não é o título de eleitor. Falta o maior patrimônio que o ser humano pode adquirir ao longo de toda sua vida: EDUCAÇÃO.
Você acha possível cobrar postura ética e cidadã de nossos legítimos representantes se, em situações cotidianas, não fazemos a nossa parte? Qualquer oportunidade e já estamos furando fila. Mais uma brecha e estacionamos o carro impedindo a saída de alguém. Rua que se preze tem que ter ponta de cigarro decorando a calçada. Buzina é pura diversão. Festa em casa? Ficamos surdos para o volume exagerado e quaisquer reclamações. O “tô nem aí” impera. Se tais atitudes são observadas nos pequenos hábitos e costumes do brasileiro que dirá quando ele se vê de uma hora para outra vestindo a roupa do poder, muitas vezes sem preparo ou qualificação técnica.
Na minha opinião as coisas teriam um cheiro muito mais agradável se todos pudessem receber a “Cédula da Educação” e transformar a hora do voto em um belo exemplo de cidadania.
A narrativa deste texto na primeira pessoa do plural é de propósito e visa chamar sua atenção para o problema da generalização. Papo para o próximo post. Fique ligado..!
(Nando Faro é correspondente especial do facebook)

Tem cheiro de coisa ruim no ar...

Fui dormir ontem incomodado com o cheiro. Se o chefe do Poder Executivo tem direito à única reeleição, com base em um dos princípios característicos de países ditos democráticos que é a alternância de poder, por que os representantes do Legislativo podem se reeleger indefinidamente? O Poder é UNO. E seu titular é o POVO. Os chamados três poderes são, na verdade, três funções: executiva, legislativa e judiciária. Ou seja, a regra deveria ser a mesma para todos. Existem representantes do povo há mais de 40 anos no poder. Significa 40 anos de exposição na mídia. Quem você acha que sai como favorito nas pesquisas eleitorais? Essa disputa é desleal. Desestímulo para o cidadão bem intencionado. E a culpa sobra para o povo que, supostamente, não sabe votar. Mas daí o papo é diferente, tem cheiro de outra coisa e fica para o próximo post...
(Nando Faro é correspondente especial do facebook)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Mundo Overtech

Ainda criança lembro de ouvir a seguinte teoria sobre a miopia e seus efeitos. Ao identificar a deficiência visual, o organismo humano resolve compensá-la aumentando a capacidade intelectual do indivíduo. No meu caso, que não vejo senão sombras fantasmagóricas, com o passar dos anos passaria a "enxergar" mais que todo mundo. Uma mulher à frente de meu tempo. Sério? Confesso que cheguei a me iludir com esta possibilidade. Mas, como tudo o que é bom na vida, a ilusão durou pouco. Ganhei o apelido de “quatrolha” na adolescência e, já na fase adulta, percebi que não era nenhuma celebridade. Virei outra coisa. Virei amiga. Amiga de muita gente. Acho que amizade é um dom. A gente não aprende. Nasce com. Cresce com. E quando menos se espera aquilo que estava incubado irrompe-nos de vez. Tenho vivido assim. Cercada de amizade por todos os lados. Duas conheci recentemente em um vernissage. Mulheres incríveis que logo se transformaram em amigas inseparáveis. Até o dia em que percebi o mundo diferente. Elas se encaixavam. Alias, todos se encaixavam. Menos eu. Era o mundo “overtech”, onde minhas amigas ocupavam lugar de destaque. Uma é adepta da tecnofobia. Desde a estréia de “2001 - Uma Odisséia no Espaço”, tem horror aos avanços tecnológicos. Sofre de pânico só de pensar na possibilidade de a humanidade ser dominada por máquinas ultrainteligentes. Depois de “Matrix” e “Avatar”, resolveu radicalizar. Dispensou o celular, a internet e similares. Até o relógio dançou. Por incrível que pareça é comerciante, dona de floricultura. E das boas; tem tino. Comprou uma bicicleta, plantou uma árvore e não se casou, o que não a impediu de ter um filho à la produção independente. Para seu desespero, o menino é hoje exímio guitarrista da banda mais famosa do planeta: Guitar Hero, do PlayStation 3. A outra, tecnófila, viajou para os EUA para prestigiar um dos eventos de lançamento do Ipad realizados pela Apple. Levou um cesto de maçãs para distribuir gratuitamente na festa que, obviamente, foi retido pelos seguranças da loja. Vexames à parte, saiu de lá carregada de tablet e acessórios. Baixou os aplicativos no limite da irresponsabilidade financeira, conectando-os ao Iphone. Cadastrou todos os emails e redes sociais que acessa diariamente: gmail, hotmail, terra, mobileme, yahoo, orkut, sonico, facebook, jumo, flickr, my space, linkedin, twitter, formspring, youtube, tumblr, foursquare, getglue e outros que não me recordo agora. Fora endereços de blogs e twitteiros. Mestre em saúde pública, ela é diretora de um grande laboratório multinacional. Respira pesquisa, ciência e tecnologia o dia inteiro. Nem os mais hiperativos conseguem acompanhar seu ritmo. Anda com dois celulares de dois chips cada. Bluetooth no carro para atender as chamadas telefônicas. Domingo passado resolvemos nos reencontrar. A ultrapassada falava o tempo todo. Negócios. Flores. Vendas. Entregas. Clientes. Olhares. Saídas. Amores. Dores. Mais flores. Mais negócios. Mais Vendas. Tudo de novo. A moderna não conseguia terminar frase. Era a própria garota interrompida. Celular. Vibracall. Torpedo. Email. Download. Rede. Wi-fi. 3G. Twitter. E voltava a conversa ao ponto inicial. Saco! Dois minutos depois trocava-nos por seus "seguidores" sem se desculpar. Eu participava daquela cena surreal preocupada com o fato de que a miopia tivesse me transformado em uma pessoa realmente diferente das outras, com distúrbios psicológicos que me impediam “optar”. Direita ou esquerda. Em cima ou embaixo. Horizontal ou vertical. Minha natureza vedava qualquer escolha. “Depende do referencial”, apelava para Einstein, assombrada pela descoberta de minhas limitações. Nossa amizade não tinha futuro. Era difícil para elas entenderem "por que eu era uma pessoa tão legal e ao mesmo tempo tão estranha". “Como alguém que cresceu sem internet, sem celular e sem videogame pode achar que essas invenções substituem o contato humano?”, questionava a radical. “Como você não sabe que Rupert Murdoch lançou o primeiro jornal exclusivo para Ipad?", esbravejava a outra. Fácil. Sempre imaginei a tecnologia como um bando de soluções inteligentes que ajudam a resolver problemas do dia a dia. Hoje eu sei que, no meu caso, a tecnologia só os fez aumentar. Minha duvida é se junto com os problemas cresceu também a miopia. Ainda bem que tenho encontro marcado na próxima semana com um dos meus melhores amigos que, por acaso, é também meu oftalmologista...