Pesquisar este blog

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Tempo

“Sobe”,  avisou solene. “Bom dia, seu Zé. Décimo quinto. E acelera que estou atrasado... Há há há!”. Quantas vezes ouvira aquela mesma piada naquele dia? Desolado, procurou conforto no perfume inconfundível da bela jovem a seu lado. Estava concentrada. Olhava para baixo, analisava papéis, planejava o dia. “Margarida é nome de flor”, dissera pela primeira vez que ela visitou seus domínios. Na “flor” da idade, completara o gracejo. Acabou ganhando um sorriso sincero. Talvez o terceiro em mais de 40 anos de serviços prestados. “Décimo quinto”. Saíram uns, entraram outros. Naqueles cinco metros quadrados, era cidadão respeitado. Competência indiscutível. Diferente de casa, com Dona Iara a queixar-se constantemente. Diferente do bar do Santana, onde pendurou até a medalhinha de ouro de São Sebastião para pagar as contas atrasadas. Diferente da banca do Mussa (aquele miserável) que engabelava seus sonhos. “Hiiiii, seu Zé, Leão foi na semana passada. Hoje deu cobra... a que engoliu o senhor”. Sim, era ali. Naquele pequeno espaço. Sentia-se bem. Comandava. Ordenava. Decidia. Para onde ir. Quando parar. Por vezes mudava o destino de alguém. Como é bom ter poder. Poder... Subir e descer. Era a vida de seu Zé. Subir e descer. Era a vida... Distraidamente fizera este comentário com Iara, deitados nus na cama. O sexo era agora bem diferente do que fora no passado. Gostoso assim mesmo. Mas onde ficava mesmo o poder nessa hora? Ah..! O poder estava no amor imensurável que ainda sentia por ela... “Pára de ‘fisolofar’ e mexe aí, homi”, impacientava-se a mulher. Conseguira o emprego de favor. O genro advogado tinha muitos conhecidos. “Garagem”. Pela imponência da voz só pode ser uma ‘toridade’. Além de tudo é careca. Todo careca tem poder. E é por isso que elas gostam mais, divertia-se. A ‘toridade’ pegou o celular e queixou-se: “sempre esqueço que aqui dentro essa porcaria não funciona direito.” Tentou duas vezes. Na terceira conseguiu falar. “Alô? Irene? Preste atenção que estou no elevador. Quero que anote o nome do novo chefe da administração aqui do prédio. Não... Ninguém sabe ainda. Vou nomeá-lo amanhã. O Barbosa dançou”. Seu Zé olhou para cima. Contagem regressiva. “Deus, não deixe o elevador parar agora”, rezou.O nome é extenso. Anote aí... É Rrrrr...”. A porta abriu e não foi mais possível ouvir a conversa. Muito menos o nome do seu futuro chefe, que ficaria no lugar do Barbosão. Três visitantes entraram. “Nono andar, por favor”. Passou o resto do dia pensativo. Naquela noite, ao deixar o posto, chegou a uma difícil conclusão. O que impedia sua profissão ser perfeita não era o salário pouco. Nem as piadinhas sem graça. Nem a rotina estressante do dia a dia. Isso não era problema. O lado ruim de sua profissão era lutar contra o tempo. O tempo era seu grande inimigo. O tempo detinha o poder. O tempo roubava o desfecho, o último capítulo, o final de todas as histórias...

Nenhum comentário:

Postar um comentário