Sempre fui insigne motorista. Adquiri tamanha destreza ao volante que suspeito de pilotos desencarnados valendo-se de minha substância física e divertindo-se novamente nas rodovias da minha vida. Poucas vezes estive envolvido em acidentes de trânsito. Nunca dirigi embriagado. Não bebo. Gosto de cuidar bem de meus carros. Tenho a mecânica como hobby. Pode-se dizer que quando o assunto é asfalto sou “ficha limpa”. Ou melhor, era...
...era final de uma manhã cinzenta. Céu nublado. Combinara com a mulher que almoçaria em casa. Passara dos 70 quando o sinal amarelou e o carro da frente resolveu frear bruscamente. Mesmo distante, a colisão foi inevitável. Desci assustado. Mais pelo barulho do que pelo baque. Deparei-me com o condutor. Jovem, moreno, alto, forte (bombado, diria meu neto), acompanhado de outros quatro jovens de mesmo quilate. Tremi. Sim, nordestino também treme nessas horas! Ainda assim, impulsionado pelo orgulho de cabra macho sim senhor e transbordando de razão, despejei toda a ira do sertão cearense sobre eles, convicto de minha inocência. O “irresponsável” avançava sobre a faixa de pedestres no momento exato em que resolveu parar, denunciando total imperícia. Reclamei, xinguei, esbravejei... Os cinco olhavam-me como se fosse um doidivanas. O condutor pediu que me acalmasse. Em seguida, apontou para a avaria. O pára-choque havia afundado tanto que amassara o porta-malas. Intrigado, olhei para meu carro: intacto! Cheguei mais perto. Agachei o máximo que meio século de vida permitia e constatei o que havia intuído desde o início. Os sacanas estavam querendo me passar a perna. “Não fui eu!” Apontei para baixo e mostrei a eles que o pára-choque do meu carro posicionava-se bem abaixo do deles. Portanto era impossível ter tido algo a ver com aquele estrago todo. No máximo, contribuíra com mais um “arranhãozinho”. “Essa batida aconteceu antes. Vocês estão querendo me enrolar. Meu carro é muito mais baixo que esse!!!” Estava indignado. Arrisquei sair de cena. O líder da turma segurou meu braço. Disse que o carro era zero. Apontou para o painel que registrava menos de mil quilômetros rodados. Descarado, cobrou o conserto. “Sem chance!”, respondi. “E se insistir, contrato perícia para por um ponto final nessa canalhice.” Entrei intrépido no carro. Esperei. Os cinco deram os ombros. Desistiram. Ufa! Um a um seguiram adiante inconformados. “Idiotas”, xinguei baixinho. Acompanhei o último deles e... opa! Espera um pouco... O pára-choque batido, por milagre, alinhara-se ao meu. O que aconteceu? Simples. O peso dos mamutídeos fez com que o veículo arriasse mais de vinte centímetros, deixando-o na mesma altura de antes. Em segundos passei de vítima a réu. E a culpa (que não era pouca) sorrateiramente cedeu lugar à vergonha...
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