Se Deus existe e é mesmo o Criador, tenho certeza de que sua obra-prima não foi Adão, mas Quintino, o poeta. Com forte inclinação para o lirismo, a quem Ele dotou não apenas de inteligência, mas de sabedoria e de verve, destacou-se na vida pública por sua brilhante atuação nos tribunais cearenses, onde nunca perdera uma única causa (nem enriquecera por causa disso). Desprovido de números, sobravam-lhe as letras. Não surpreende, portanto, que suas histórias permaneçam vivas até hoje, formando verdadeiro legado cultural. Uma delas, lembro bem, aconteceu numa tarde de calor sufocante, em frente ao Colégio São Tomás de Aquino, localizado nos fundos da famosa Igreja de Nossa Senhora de Fátima, onde o poeta foi abordado por uma mendicante sexagenária que lhe rogou por alguns trocados para acalmar o estômago. Pobre, porém generoso, Quintino buscou no fundo do bolso a única nota que lhe restara das crônicas negociadas com o diário local. Algo correspondente a cinco reais, quando muito. Com extrema gratidão, a miserável senhora encarou-o de cima a baixo e disse: “Moço... moço... que bênção dos céus! Não sei como agradecer. Ah!... pensando bem, sei sim. Me diga seu nome todo para que eu possa pedir a Deus pelo senhor na missa de hoje”. Inconscientemente, o poeta deu um passo atrás e retrucou veemente: “Qual nada! Não lhe direi meu nome. Não quero que rezes por mim. Esqueça a caridade que não me custou nadinha nadinha...” A pedinte atônita, achando tratar-se de mais uma ovelha desgarrada do Senhor, insistiu: “Meu jovem... não diga tamanha heresia, por favor! É pecado. O céu pode escutar. Fale logo qual seu nome para que Deus possa ajudá-lo a salvar sua alma quando chegar a hora de deixar essa vida ingrata”. Sem pestanejar e munido do escárnio habitual da prática forense, o ilustre advogado proferiu a sentença: “Veja bem: se a senhora que O conhece, está sempre a Seu lado, com preces, rezas e sei lá mais o quê, Ele a deixou nesta situação, de total penúria, que dirá comigo, que nunca O vi, nunca Lhe dirigi palavra e nem sei se acredito em Sua existência... Aliás, se falar com Ele hoje, nem diga que me conhece!!!” E prosseguiu tranqüilo, descendo a rua em direção à praça onde lhe aguardava mais uma partida de gamão...
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